A escrita acadêmica do "homo academicus" (Parte 4)
Chegamos no quarto e último artigo desta série que se propôs a refletir sobre o processo da escrita acadêmica, ainda que de forma sintética e sem o aprofundamento que entendo necessário. Até aqui verificamos algumas peculiaridades que diferenciam este tipo de escrita, seus objetivos e locais de publicação, além da influência que a escrita recebe da variedade de abordagens e epistemologias empregadas nos estudos.
O aperfeiçoaremos da escrita, primeiro, no aspecto da língua — gramática e ortográfico — estará vinculado ao processo educacional anterior, isto é, ao nível e qualidade da escrita que o pesquisador dispõe na língua materna, ou ainda, em outra (espanhol, inglês, francês, etc.) o que tornará este processo diferente para cada um. Segundo, no aspecto do estilo, forma e “regras do campo” acadêmico, que Bourdieu (2004, p. 29) considera que o próprio “campo é um jogo no qual as regras do jogo estão elas próprias postas em jogo", que, por sua vez, receberá influências do aprendizado obtido na universidade e das relações sociais mantidas nesse aprendizado e na realização das pesquisas e, muitas vezes, das parcerias na escrita.
Assim, para aperfeiçoar a escrita podemos participar de cursos, disciplinas oferecidas pelas universidades, como foi o caso do "Seminário de Desenvolvimento de Artigos Científicos", uma eletiva oferecida pela Prof.ª Flávia Cavazzote durante o doutorado no IAG/PUC-Rio. Além disso, ler livros e artigos que se propõem a contribuir para esse processo. Particularmente, pelas experiências, leituras e vivências não vejo como apropriadas as soluções e proposições que oferecem caminhos rápidos e fáceis, como os anúncios do tipo: "escreva seu artigo acadêmico em X dias", visto que a escrita se relaciona com vários aspectos, como o desenvolvimento da pesquisa, que, em geral, exige um certo tempo e práticas, isto é, “um longo e lento trabalho de formação” (BOURDIEU, 2004, p. 37) para podermos alcançar a maturidade acadêmica, que dificilmente será igual para todos.
Talvez a grande dificuldade possa estar em realizar uma autoanálise para conhecer a si mesmo, identificar o nível de sua escrita e da maturidade acadêmica, é nesse momento que o trabalho em equipe, dispor de colegas e amigos com quem possa compartilhar seus textos e tenham condições e liberdade para realizar tal avaliação, dar feedback e dizer tranquilamente e de forma não violenta, as melhorias necessárias no trabalho.
Depois disso, poderás avançar para o ponto de encontrar o seu próprio estilo e preferências na escrita, apesar da importância dos tutores, mestres e colegas nesse caminho, em algum momento você precisará encontrar a “sua praia”, a sua própria forma de escrita e o formato que melhor se adapte a você. Alguns preferem escrever pela manhã, outros à noite, ou ainda quando for possível, logo, você precisará encontrar o seu melhor momento para escrever, ou se adaptar a disponibilidade de horário que tenhas. Como disse Becker (2015, p. 186) “não há sentido em tentar encontrar a única maneira certa de escrever o que você tem a dizer. Mas imitar um trabalho bem-feito (principalmente seu formato ou organização) é uma ótima forma de encontrar as maneiras certas possíveis.
Também o emprego de ferramentas tecnológicas podem ajudar nesse processo, por exemplo, eu quando escrevo costumo deixar aberto dois sites: www.sinonimos.com.br e www.aulete.com.br, quando tenho dúvidas busco palavras mais adequadas, conferir o sentido de algumas e encontrar substitutas para evitar repetições, além disso, buscar uma escrita direta e simples. Ou ainda, outros softwares (App) como Mendeley (www.mendeley.com) — para organização das referências e fazer citações no texto do artigo; Evernote (https://evernote.com) para organizar material de pesquisa; CopySpider (https://copyspider.com.br/) para conferir e evitar possibilidade de apontar plágio quando não citado corretamente; Scrivener (https://www.literatureandlatte.com/) para auxiliar na organização da escrita, utilizado por autores para livros, mas que ajuda na escrita de trabalhos acadêmicos, alguns são gratuitos e outros pagos. Essas são algumas de minhas preferências e formas de escrever, alguns preferem não utilizar, trabalham apenas com o Word ou outro editor de texto.
Resiliência! Está será uma característica necessária no início, especialmente nas primeiras submissões, quando é comum ocorrer a rejeição de um artigo, sendo preciso saber lidar e aprender com ela, além de nem sempre os avaliadores se preocuparem com a forma que avaliam e dizem os motivos para a não aceitação do trabalho. Ademais, a rejeição de um artigo para submissão em revista ou congresso não é nada exclusivo do início, mas poderá ocorrer em todos os momentos da carreira, provavelmente em menor quantidade ao aperfeiçoar-se nessa atividade, mas continuará a ocorrer, a questão é como você lida com ela.
Encerramos esta série de artigos que se propuseram a refletir brevemente sobre a escrita acadêmica e sugerir alguns caminhos e leituras (que deixo abaixo algumas referências) frente aos diversos que existem.
Você gostou e tem interesse pelo assunto? Quais e como foram suas primeiras experiências com a escrita acadêmica? Compartilhe e comente sobre elas…
REFERÊNCIAS SUGERIDAS:
BANSAL, P., & Corley, K. (2012). Publishing in AMJ—Part 7: What's different about qualitative research?. 55(3), 509-513.
BECKER, Howard Saul. Writing for social scientists: How to start and finish your thesis, book, or article. University of Chicago Press, 2008.
BECKER, H. S. Segredos e truques da pesquisa. Rio de Janeiro, RJ: Zahar Editores, 2007.
BECKER, Truques da escrita: para começar e terminar teses, livros e artigos. 1. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2015.
BOURDIEU, P. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. São Paulo-SP: Editora Unesp, 2004.
HUFF, Anne Sigismund. Making on Outline (Really!). In: Writing for scholarly publication. Sage, 1999.
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